Deixando a região da Judeia para lá não mais voltar em corpo físico, Paulo de Tarso embarca em portentoso navio amparado pelo braço de Lucas. No porto, entretanto, uma pequena multidão se aglomerava. Eram velhos, crianças, homens e mulheres, tristes por aquela partida e reconhecidos pelo imenso amor que sempre receberam do apóstolo dos gentios. Tiago, Lucas e outras figuras apostólicas de vulto também ali se encontravam para se despedirem do valoroso apóstolo. A cena era comovedora. Muitos choravam. Outro tantos pediam que Paulo não os deixasse. Relembrando Jeziel e Abigail, Paulo não pôde evitar o choro, vertido, entretanto, com a serenidade dos que estão firmes nos princípios crísticos. Em dado momento, comovido pelo quadro que se desenhava aos seus olhos, Lucas prometeu a Paulo que escreveria sobre aquele momento e nos escritos faria constar os méritos de Paulo, em referência a quantos, por meio dele, receberam em suas vidas os benefícios do Mestre Jesus.
– Não, Lucas. Foi a resposta de Paulo. – Se me amas não deves expor meu nome a falsos julgamentos. Esse galardão pertence só a Jesus. Foi ele quem removeu nossas misérias angustiosas, enchendo nosso vácuo. Foi sua mão que nos tomou, caridosamente, e nos conduziu a este caminho.
A passagem acima foi retirada de “Paulo e Estêvão”, fragmento genuíno de passagens do Evangelho que a generosidade de muitas e devotadas mãos nos oferece. No entanto, diferentemente do que Paulo nos orienta, doem em todos nós as chagas abertas de nossa pobre vaidade. Somos médiuns; somos jaguares; somos missionários; estamos nos templos e, não raro, enchemos nossa boca na certeza de que temos algum mérito na senda doutrinária. Ledo, crasso e triste engano.
Nós, que deixamos nossas casas e nos dirigimos ao templo no propósito de servir, não fazemos mais que a nossa obrigação. O iniciante ou o iniciado, que se abnega em tantas e diversas tarefas, não faz, senão, sua obrigação. Aqueles que deixaram ou deixam sua terra natal, desprendendo-se a outros distantes lugares em nome de uma missão espiritual, não fizeram e não fazem mais que sua obrigação. As muitas horas empregadas em valoroso trabalho não são nada além de nossa pura e simples obrigação.
Que mérito há em fazer a própria obrigação? Nenhum, meus irmãos. E isso deve estar muito claro para cada um de nós. Não há qualquer mérito em nosso proceder. Há um dever a ser cumprido e todo aquele que prescruta as verdades universais, nega-se ao mérito, entrega-se ao dever. No sentido e no cumprimento deste dever que a todos nós toca, está embutida a grandessíssima oportunidade da resolução de questões fundamentais em nossa vida. Somos, amigos e irmãos, em resumo, grandes vazios, grandes dores tocadas pela bênção generosa de nossos mentores, quando somos incumbidos de tantas nobres tarefas.
Aqueles, dentre nós, que se exaltam, não fazem nada senão um afago tendencioso à própria vaidade. Quem diz “eu sou e eu faço”, na verdade, nem é, nem faz. Aquele que, dentre nós, aprende a servir, na senda de Jesus, o Caminheiro, o faz silenciosamente, sem alarde de si porque começa a enxergar o tamanho diminuto que possui. Em nada se arvora, em nada se exalta, em nada se faz notar. Jesus orienta-nos que não façamos alarde daquilo que, porventura, empreendermos. Estamos, irmãos, longe disso.
Estamos no ano de 2024. Mais uma vez reaparecemos fisicamente neste cenário terreno, hoje, adaptados às necessidades atuais, sob a chancela do Vale do Amanhecer. Não temos, no entanto, padrões de pensamento, de sentimento, nem de honestidade à altura deste acervo doutrinário. Por nossos próprios pés, por nossa própria índole orgulhosa, vaidosa e egoísta, nunca a teríamos encontrado. Foi a generosidade dos nossos mentores que nos foi buscar e nos conduziu a este altar. Nele estando, encontramos o Pai Seta Branca, que não nos permitiu ajoelhar. Foi de pé que reafirmamos nossos juramentos junto a Jesus. Adjurados, recebemos uma missão para a qual também não estamos a altura em termos de pensamentos e sentimentos.
E após turvar essa missão ao nível de nosso pouco entendimento, ainda somos capazes de bater orgulhosamente no peito dizendo “eu sou, eu fiz, eu posso”. Questionamos essa posição com veemência, meus irmãos. Ainda somos folhas secas, que qualquer vento-menino leva para distante. Afinal, que sabemos? Nada. Que podemos? Nada. O que nos resta? Saber aproveitar as inúmeras oportunidades que os mentores, generosamente, nos concede. Jesus nos abençoe a todos. Salve Deus.