Nas rodas de conversa sobre a Doutrina do Amanhecer, o que deveria ser um diálogo genuíno sobre experiências espirituais transformou-se em uma arena invisível em que cada participante empenha-se, não para compreender, mas para vencer. Armados de citações decoradas e certezas inabaláveis, os interlocutores disputam o pódio da ortodoxia enquanto a essência da troca se perde: não se escuta, disputa-se a vez de proferir o próximo monólogo de verdades convenientes. Na ânsia de provar quem conhece mais, a linguagem vem eivada de violência. A conversação doutrinária deixou de ser um caminho coletivo de busca e tornou-se um campo minado de egos. Discordar é declarar guerra.
Amigos e irmãos, salve Deus! Que a paz de Jesus esteja entre nós.
Quantas vezes nos sentamos à mesa do debate sobre a Doutrina acreditando portar a tocha do conhecimento, quando em verdade carregamos apenas a sombra fugidia de conceitos decorados? Cultivamos, sem perceber, a mais sutil das ilusões: a certeza de que sabemos.
Observemos com honestidade, amigos e irmãos o que se tornou comum em nossos círculos de estudo. As mesas de conversa, que deveriam ser santuários de partilha fraterna e humilde busca pela verdade, têm se transformado em arenas às vezes discretas, outras vezes com alarde onde se mede quem cita mais frases de tia Neiva, quem memorizou mais questões o livro de leis, quem articula com maior eloquência os conceitos da Doutrina. É uma competição que muitas vezes se faz velada, mascarada por sorrisos cordiais e palavras aparentemente generosas.
Perguntemo-nos: quantos de nós verdadeiramente vivemos o que dizemos saber? Quantas páginas lidas se converteram em transformação íntima? Quantas citações decoradas germinaram em nosso coração como sementes de amor real, de paciência genuína, de perdão autêntico?
O conhecimento intelectual, por mais valioso que seja, não passa de casca vazia quando divorciado do sentir crístico. Podemos recitar tia Neiva, o Pai Seta Branca, Pai João de Enock de memória, debater os meandros da reencarnação e das leis morais, dissertar sobre os planos espirituais, falar sobre o comando de um trabalho, emitir pareceres técnicos — e ainda assim permanecermos prisioneiros do orgulho, da vaidade, da necessidade de nos sentirmos superiores aos nossos irmãos de jornada.
Emmanuel nos alerta que “o maior sábio é aquele que reconhece sua própria ignorância”. Sócrates, séculos antes, já proclamava que só sabia que nada sabia. E, de fato, NADA SABEMOS! E nós, espíritas do século XXI, com acesso a bibliotecas inteiras de obras sublimes, esquecemos essa lição primordial: o verdadeiro conhecimento começa no reconhecimento de nossa pequenez diante do infinito.
É tempo — urgente tempo — de cultivarmos o silêncio reflexivo. Não o silêncio vazio da omissão, mas o silêncio fecundo da meditação, da introspecção honesta, da escuta profunda. Silêncio diante de nós mesmos, para podermos ouvir a voz da consciência sem as interferências do ego propagandista de si mesmo. Silêncio diante de si, silêncio diante dos outros, para podermos verdadeiramente aprender, em vez de apenas disputar pela vez da fala.
Nas reuniões doutrinárias, nas conversas diárias, temos meditado sobre a extensão do calar? Do ouvir? Ou já chegamos com nossas opiniões cristalizadas, ansiosos por demonstrar erudição ou por convencer o outro daquilo que julgamos correto? Quando alguém compartilha uma dúvida ou uma reflexão diferente da nossa, genuinamente nos abrimos para compreender, ou mentalmente preparamos nossa refutação brilhante?
Como temos agido nos nossos diálogos, amigos e irmãos? Somos regentes de um poder espiritual para alimentar a vaidade intelectual? Jesus, o Mestre por excelência, deixa-nos ver que Seus momentos mais profundos foram os de oração silenciosa, de comunhão íntima somente possível no silêncio dos conceitos. E quando falava, suas palavras não tinham a intenção de se fazerem maiores nem de vencer quem o ouvia.
Reaprendamos, pois, a dialogar, amigos e irmãos. No silêncio meditativo, descobrimos que tudo o que julgávamos saber era apenas camada superficial sobre um oceano de conceitos mais e mais profundos. Compreendemos que cada resposta genuína abre dez novas perguntas. Sentimos, assim, na humildade restaurada, que somos eternos aprendizes na escola infinita da vida.
E então, quando voltarmos às mesas de conversa, levaremos não a urgência de mostrar conhecimento, mas a disposição verdadeira de crescer junto. Ouviremos mais. Julgaremos menos. Disputaremos menos. Compartilharemos experiências vivas em lugar de teorias mortas. E reconheceremos, em cada irmão — não importa seu grau de instrução doutrinária —, um mestre que nos foi enviado para ensinar-nos algo essencial.
A ilusão do saber nos aprisiona. O silêncio reflexivo nos liberta. Que tenhamos a coragem de trocar as certezas arrogantes pela busca humilde. Que nossas reuniões se transformem novamente em encontros de almas sedentas de verdade, não em competições de egos disfarçados.
Salve Deus.